2.01.2009

What lies beneath

O vento abana as folhas e ele senta-se num dos ramos altos, inspirando o cheiro da Terra. Chove. Ele, ao contrário dos seus companheiros, gosta da chuva. Mais do que da chuva, ele gosta da canção da Terra molhada, um canto suave, fresco e limpo. E depois, depois da chuva, a Terra também canta. Uma canção diferente, uma canção de alívio, alívio pela limpeza.

 

Mal começa a chover, o ambiente torna-se pesado e cheio de lembranças de passados tristes. Passados que todos tentam esquecer, ou que querem evitar ou que os perseguem. Mal isso começa, ele esquiva-se, sempre que pode. Foge para a rua, para as árvores, para os ramos, para onde possa ouvir a canção da Terra. Para que a chuva o deixe, pelo menos a ele, feliz.

 

Ao mesmo tempo que o deixam feliz, os dias de chuva também o assustam. Assustam-no porque é precisamente nesses dias, nos dias em que a Terra canta, que a sua outra parte, aquela que se encontra presa, presa para protecção do mundo, se aproxima mais da superficie, mais perto do seu ser e mais perto da realidade. É ai que ele o ouve, ouve os seus lamentos, os seus gritos desesperados por liberdade. Sim, liberdade. O demónio dentro dele quer liberdade, tal como ele a queria quando estava preso naquele monte. Naquela cela onde mal se via a luz do sol.

Ele sabe que o outro quer ser livre. Sabe-o e lamenta não poder fazer nada para o ajudar. Porque se o ajudar, se o deixar sair, todos aqueles que ele ama poderão sofrer as consequências e acabar magoados, ou mesmo mortos. Ele não conseguiria viver assim, sabendo que tinha sido responsável pela morte dos que ama.

 

Assim, sempre que chove ele aproveita e esgueira-se para a rua. Quando não se deita no meio do chão, trepa a uma árvore, e é ali, no meio de uma atmosfera húmida e com gotas de água a cairem-lhe no cabelo e no rosto, que a sua outra parte se liberta, não no sentido literal, mas é ali que se aproxima da superficie e contacta com ela. Durante alguns momentos apenas. Apenas porque ele não sabe o que pode acontecer se o deixar assim mais tempo. Ou melhor, sabe bem o que acontecerá e é por isso mesmo que não se atreve.

Durante esse curto espaço de tempo em que se atreve a deixá-lo tocar a superficie, ambos coexistem e ele sabe que o deixa feliz.

 

A primeira coisa que sente, proveniente dessa criatura que habita dentro dele, é raiva, raiva por estar aprisionado, ter o orgulho ferido. Ele, uma criatura temida até pelos própios deuses, preso! Preso assim, num corpo de criança, congelado no tempo. Proibido de sentir a Terra. A sua Terra. A Terra da qual nasceu e com a qual partilha a essência.

Mas também sente felicidade, a felicidade que a criatura sente, e que ele próprio sente, a felicidade por ouvir a canção da Terra.

 

É normalmente nesta altura que decide voltar, tentando a custo esconder um sorriso. No entanto sabe que é melhor calar-se e nem sequer mencionar o quanto a chuva o deixa feliz.

É por isso que quando aquele que o libertou da sua cela o olha, vendo encharcado e sorridente, e diz “Macaco idiota”, é quase como se não o ouvisse. Porque sabe que a chuva nunca o irá fazer tão feliz como o faz a ele. E porque sabe que pelo menos alguém se sente feliz com a chuva.

 

Mesmo que esse alguém seja um macaco idiota e o seu demónio interior…

Reaching (Goku)Seiten Taisei BW

_____________________________________

Perspectivas sobre o Seiten Taisei Son Goku (aka: Saiyuki a mais)

Sem comentários:

Enviar um comentário