6.27.2010

Moonlight. #1

Tinha sido um daqueles dias demasiado quentes. Um daqueles dias em que nem sequer se tem vontade de mexer, pois qualquer movimento apenas aumenta o calor que se sente.
Era uma daquelas noites demasiado quentes, em que custa a respirar e nem ficando completamente parados conseguimos parar de sentir calor. Em que a pele fica pegajosa ao tacto e só nos apetece tomar duche gelado atrás de duche gelado.

Ela, pelo menos, sentia-se assim. E não gostava minimamente da sensação. Desde pequena que odiava o calor. Não o Verão, porque até gostava de ver o céu azul e tudo, mas o calor. Não conseguia funcionar com calor, parecia que o cérebro lhe tinha derretido, não tinha posição para estar, e quanto mais tentava ficar fresca, mais calor tinha.

E, infelizmente, tinha tido a sorte de ficar no quarto do último andar, que não era bem um quarto... era mais o sótão da casa, mas tinha sido convertido em quarto por causa dela. Ás vezes, ser rapariga tinha as suas vantagens, mas não neste momento. Normalmente, não se importava de dormir naquele espaço, tendo em conta que ficava suficientemente afastada dos três idiotas, dois dos quais eram irmãos dela. O outro? Bem, o outro era um irmão emprestado, por assim dizer. Mas isso não lhe curava a idiotice, apesar de ser um bom atributo. Mas isso não importava minimamente agora, aliás, agora, a única coisa de que queria saber era da probabilidade de entrar em combustão espontânea. Adorava aquele quarto, mas no Verão, no Verão desejava ter guelras, para poder dormir debaixo de água, no pequeno lago que havia na propriedade. Mas, não tinha tanta sorte assim.

Virou-se na cama pela milionésima vez naquela noite (ou, pelo menos, assim lhe parecia), e suspirou. Tinha os pés a escaldar. Não conseguia dormir com os pés quentes. Deixou escapar um som que poderia passar muito bem por um rosnado, e desistiu. Atirou os lençóis para trás, e balançou as pernas para fora da cama. Não, hoje não iria dormir grande coisa. Por um momento, ficou ali sentada, observando a claridade da lua a entrar pela janela aberta. Tinha a aberto antes de se deitar, na vã esperança de que alguma brisa quisesse entrar e refrescar o espaço. As cortinas não se mexiam nem um milímetro.

Suspirou mais uma vez e levantou-se, os pés quentes tocaram na madeira do chão, também ela quente. Por um momento, perguntou-se se seria possível que a casa derretesse, tal era o calor. O pensamento fê-la sorrir. Realmente, o cérebro dela parava com o calor.

Desceu as escadas lentamente, não querendo acordar ninguém... já era mau demais estar com calor, não queria ter de lidar com as repercussões do seu pequeno passeio. Sim, porque o pai dela nunca achara muita piada a esse tipo de coisas, mas também não o podia censurar. Se um dos putos (nome afectuoso, note-se) desaparecesse assim sem mais nem menos, ela passava-se. Mas, o que eles não sabem não os pode magoar, e, se tudo corresse bem, não seria descoberta. Pelo menos, não fora de casa, onde as desculpas seriam mais difíceis de arranjar. Para além disso, queria estar sozinha. O calor não a deixava muito amigável.

Um arranhar de pequenas garras sobre o soalho sobressaltou-a, e rezou para que mais ninguém o ouvisse. A pequena Labrador preta tinha tendência a estragar os melhores planos. "Scout", murmurou, quase de forma inaudível, "volta lá para dentro", e apontou para o quarto dos seus irmãos. A pequena cadela olhou para ela com olhos tristes, mas, incrivelmente, fez o que lhe mandaram. Ora aí estava uma coisa que não estava habituada a ver. Não que se estivesse a queixar. Por um momento, ficou imóvel no meio do corredor. Contou as respirações, todas elas indicadoras que todos continuavam a dormir. Óptimo.

Desceu um novo lance de escadas até ao andar térreo, que sempre fora o mais fresco da casa. Mas ainda assim, quente demais para o gosto dela. E então bateu com um pé numa das cadeiras. "Merda". Saiu-lhe muito mais alto do que pretendia, e acabou por cobrir a boca com ambas as mãos, como se pretendesse agarrar o som. Mais uma vez, escutou o andar de cima em busca de algo que lhe indicasse que tinha acordado alguém. Mais uma vez, ouviu apenas o animador silêncio. Bolas, ninguém diria que todos eles tinham aquele tipo de dormir... Normalmente, ficavam alerta ao mínimo ruído. Quem sabe, talvez a protecção fornecida por aquele lugar lhes permitisse dormir descansados.

Finalmente, conseguiu sair para o exterior. Continuava calor, mas talvez por estar num espaço aberto se sentisse ligeiramente melhor. A luz da lua incidiu na sua pele descoberta - que era bastante, considerando que dormia num par de calções curtos e num top - fazendo-a parecer brilhar. Sempre odiara o seu tom de pele. Não tinha a mesma sorte do seu irmão, que ficava moreno ao mínimo toque de sol. Não, ela tinha de ser pálida como um fantasma. Riu-se com a ironia do seu próprio pensamento, e deu impulso às pernas para se mover em frente. Os pés, ainda descalços, tocaram na relva que lhe pareceu estranhamente (e agradavelmente) fresca. Um sorriso esboçou-se no seu rosto, e não demorou muito a deitar-se de barriga para cima nessa frescura, de forma a poder olhar as estrelas.

Estava mesmo capaz de adormecer.