11.10.2008

Chuva

Ouve a chuva. O batimento constante e ritmado nas janelas e no telhado. O quarto está escuro, bem como o resto da casa e ela move-se nas trevas. Há muito que deixou de precisar de luz para se orientar. A posição dos objectos e dos móveis já está gravada nas suas retinas.

A orientação da sala é simples, nem sequer é preciso pensar muito para saber onde está o quê. Os contornos negros e esbatidos, que, apesar de confusos não deixam margem para dúvidas. Ao canto, o piano. Velho, mas mantendo toda a perfeição do primeiro dia. Hoje, e sempre, está mudo e frio. Não é interessante, mas também, já nada o é.

Na zona este, as paredes estão cobertas de estantes, repletas de livros que ninguém lê. As páginas estão semi-apagadas e nas lombadas apenas são visiveis os vestigios de ouro que outrora formaram os títulos. Estes também perderam o interesse.

A parede norte está envidraçada. Repleta de janelas com pesadas cortinas de veludo negro, que outrora teria tido tons mais vivos. Estão abertas, deixando ver para o exterior. Encosta a mão á janela e olha para a chuva que cai lá fora, esbatendo os contornos das frondosas árvores do jardim escuro.

Na parede oposta, a lareira, que em vez de aquecer, apenas contribui para o firo que se faz sentir na sala. Como tudo o resto aqui, está fria e sem cor. Á sua volta, os cadeirões pesados e a mesa baixa. Ninguém se senta aqui há muito.

Suspira e deixa a observação do jardim, voltando-se para a lareira. Pára atrás do cadeirão central e olha-se ao espelho que se encontra sobre a lareira. Não tem reflexo, nem nunca voltará a ter.

Suspira de novo e prossegue o seu caminho pelos corredores. É assim, está destinada a vaguear sem rumo pelos correfores desertos e sem cor durante os dias de chuva.

 

-10.27.2008

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