10.11.2008

Drop dead, baby girl

Tento olhar-me ao espelho. Não me consigo ver. Não me consigo sentir.

será que estou aqui?

Ando pela rua, por entre a multidão ocupada. Carros, pessoas, bébes a chorar. Está vento, mas eu não o sinto. Salto e abano os braços.

conseguem ver-me?

Tento por-me à frente de uma mulher e da sua filha que caminham na minha direcção. Mas elas passam através de mim. Por isso, eu olho em volta e vou para o meio da rua. E eu salto e grito.

conseguem ouvir-me?

Um carro aproxima-se de mim. Olho para ele e grito 'pára!' mas ele não pára. Observo. Olho o carro e penso que talvez abrande e o adolescente que o conduz seja capaz de me ver ou de me ouvir.

será que eles estão aqui?

O carro aproxima-se. A música está no máximo e ele está a falar ao telemóvel. Não me olha. Não me vê. Não me presta atenção.

será que é cego?

Olho para a direita e vejo uma menina a caminhar pela rua sozinha. A sua mãe virou-lhe as costas para gritar ao telefone sobre uma estúpida reunião e coisas do género. Preocupada com o trabalho... sem tomar conta da sua pequena filha.

A miudinha vê uma flor morta no meio da estrada. Avança para a flor, baixando-se para a apanhar com as suas pequenas mãos. Sou capaz se jurar que ela acabou de olhar para mim. Que me olhou olhos nos olhos e que me sorriu. E o condutor aproxima-se cada vez mais. Apenas posso observar sem sentir o que esta a acontecer...

O jovem olha para a estrada e os seus olhos abrem-se com o terror. O seu batimento cardiaco aumenta e o seu coração desce-lhe aos pés assim que pisa o travão com toda a força.

mas é, sem dúvida, tarde de mais.

Agora, a mãe presta atenção à sua filha. A sua menina está magoada. A sua menina está a sangrar.

a sua menina pode estar morta.

Posso ouvir os gritos e os berros e as sirenes. Vejo um policia e dois paramédicos a correr para a miudinha. Consigo sentir o seu sange. Consigo sentir a dor. Consigo sentir a solidão. Consigo sentir o silêncio.

Está morto. Não o silêncio, mas eu. Eu estou morta. Consigo senti-lo e doi demais. Estou coberta de sangue. O meu próprio sangue. EU estou no chão e olho para cima.

A menina está bem, ferida, mas bem. Eu não. E então vejo e ouço a mãe. Ela diz:

"Obrigada! Ó meu Deus! Muito obrigada!" Diz ela com a voz distorcida pelo choro e os policias seguram-na quando ela tenta aproximar-se de mim.

Continuo deitada no chão e sinto uma especie de lençol a ser posto por cima de mim.

estou morta. mas acordada

Salvei a rapariga quando ninguém a via. Salvei-a quando ninguém me via. Foi aí que me apercebi de que, quer eu quer ela, eramos invisiveis. Mas não uma para a outra.

Salvámo-nos uma à outra. Ela salvou-me e eu salvei-a. estrada

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